Por um instante...
Com Camões me acalmo: “Cesse tudo o que a Musa antiga canta
/ Que outro valor mais alto se alevanta”? Ora, pois. Paro e não olho para o
lado. Nada mais me chamará a atenção que este momento. Ficar órfão de uma alma
que não é só sua? Valores que perdem seu valor ante a possibilidade do
inusitado?
Não é só o bem querer que se está em jogo; ou o apego; ou a
dependência; ou o carinho; ou o desejo; ou a alegria; ou algo que nem sei bem
como explicar. É um sentimento miscigenado, de muitos matizes, espectro que nem
o mais ilustre poeta descreveria, nem o mais talentoso pintor apontaria em
tela.
Nada é relevante quando a ameaça ronda e o que transtorna é
a possibilidade do vazio. Do vácuo etéreo que o momento cria e te amedronta.
O tempo é linear, sem medida, sem dimensão, mas fatia-se por
conveniência. Juntos há 44 anos, nossa interdependência não tem qualquer critério
que possa avaliá-lo com exatidão. Sentimento difícil de explicar.
A carta encoberta lançada sobre a mesa pode acabar com nosso
jogo. Mas nosso “sei lá o quê”, que tanto nos une, banca a aposta. A frase: ‘-Caso
não volte, prometa que será feliz!’ ecoa em minhas entranhas como mantra
soturno, e a solidão de estar só onde quer que esteja termina quando o jovem
especialista tranquiliza: “- A cirurgia transcorreu como esperado. Ela está
bem”.
Nesta hora não sou nada. Sou só aquele que morre aos poucos com a ausência do par. Seus olhos entreabertos
ainda narcotizados tremulam para lá e para cá em busca dos meus que só podem
lhe oferecer duas lágrimas.Homem que é homem não chora? Arrisco um sorriso
tímido que, ao vê-la sorrir, aos poucos se alevanta desabrochando a alma
prisioneira. Abro as janelas da angústia e deixo o sol entrar.
Em nome da Maria Eugenia e de toda minha família agradeço o
talentoso ortopedista Dr. Eduardo Gomes Machado e sua equipe, o brilhante
anestesista Dr. Douglas Humberto Lovatti, o Hospital UNIMED e toda sua robusta
estrutura hospitalar (em especial ao seu corpo de funcionários de todos os
setores, gente digna e prestativa) pelo atendimento oferecido na internação da cirurgia
de minha mulher.
E por último uma frase pequenina que de seu valor mais alto
se alevanta: “- Gê... Obrigado por existir.”
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