quinta-feira, 20 de abril de 2017






A dor da perda

Ontem, cansado e indisposto pela lida diária e seus problemas, sentia-me abstraído do mundo ao meu redor. Uma sensação de isolamento, onde nada importava. Foi quando, no andar da tarde, ao ir embora do Hospital São Vicente, ouço cortando o ar, como há muito não ouvia,  um choro alto, doído, um lamento repleto de tristeza sem fim. Em sobressalto saio da abstração que me consumia e localizo a figura de uma jovem mulata de corpo franzino, encostada na parede de um dos corredores do hospital, abraçada a alguém que lhe consolava em vão. Um pranto inconsolável. Era muita dor. Paro por alguns segundos e olho emudecido aquele lamento. Faço uma rápida leitura de minha vida. Como médico e como pessoa comum. A memória embaralha. Tento relembrar quantas vezes presenciei cenas assim e a conclusão que me vem é uma só: a dor da perda de alguém é a pior dor. Nada se compara. Em pensar que não se verá mais um sorriso daquele rosto, não se ouvirá mais uma frase solta no ar, não se sentirá mais o calor de um afago, não se terá mais a felicidade de um abraço, tudo isso destroça a alma. Ao sair pela Rua Anchieta vejo mais pessoas desta família chorando na mesma intensidade. Todos em desespero igual. Cena triste. Que alento clamar nessas horas? Parece que Deus se esqueceu de você. É o que todos nós dizemos. Olho mais uma vez para trás, vontade de abraçá-los também, mas tomo meu rumo. A tarde acabou para mim.

quinta-feira, 6 de abril de 2017

Pra mim chega...


Sinceramente? Não ter como não ficar definitivamente desolado. Exemplos simples, um amontoado de absurdos que o homem vem praticando contra ele mesmo e que nos leva à descrença de qualquer futuro melhor do que a tragédia que vivenciamos hoje.

Estamos num ponto onde a razão foi totalmente deturpada. A emoção se tornou cega.

E pensar que a espécie humana, o ‘homo sapiens sapiens’, sendo o único ser racional entre todos os seres vivos ao longo da história da evolução, age de forma tão irracional, e que todas as outras espécies animais, ditas irracionais, se comportam com racionalidade, confirma-se um paradoxo difícil de engolir.

Um exemplo simples entre tantos que me vem cutucando a alma: nos esforçamos ao máximo para operar uma criança com doença cardíaca congênita, temos falta de vagas, falta de verba para atende-las, muitas morrem na fila e todo o sacrifício é pouco para dar vida a esta criança. E quando conseguimos, a felicidade torna-se a única companheira. Do outro lado do mundo, na Síria, vem um avião caríssimo, com um gás mortal caríssimo, e, sem qualquer preocupação maior de quem bolou o ataque, que não fosse o extermínio em massa, despeja esta arma mortífera sobre inocentes sadios, a maioria crianças, que queriam apenas viver sua vidas. Fica a pergunta: por quê? Por que muitos de nós nos esforçamos em ser solidários com o próximo e outros tantos tão cruéis? Que mundo é esse que vivemos? Por que tantas aberrações deste tipo? A irracionalidade do homem em nome do poder chegou ao seu limite. A dignidade em se ter segurança de viver racionalmente em harmonia acabou.

Quando o homem desrespeita a si próprio, na sua essência, não tem motivo mais para existir.

Pra mim chega.

Shut down...